Fissura Anal

O que é?

A fissura anal é um distúrbio anorretal comum, consistindo em uma laceração linear do canal que pode se estender-se da junção mucocutânea até a linha pectínea. Pode ser aguda ou crônica e acometer pessoas de todas as idades (é a causa mais comum de hemorragia digestiva baixa em crianças), mas tende a ser mais comum em adultos jovens. Ambos os sexos são igualmente afetados sendo uma das principais doenças vistas no consultório de coloproctologia.

Quais as causas?

Em geral, a fissura anal é atribuída como o resultado de alguns fatores como a baixa ingestão de fibras alimentares na dieta que leva a formação de fezes mais endurecidas, mas alguns estudos demonstram que pacientes portadores de fissuras tendem a ter uma maior hipertonia do esfíncter anal interno. Esta condição, leva à diminuição do aporte de sangue ao local (hipoperfusão e isquemia) prejudicando as condições necessárias para cicatrização da fissura. Trauma no canal anal, evacuação de fezes endurecidas em portadores de prisão de ventre (constipação intestinal) e diarreia são condições comuns que podem levar ao surgimento da fissura anal.

Sintomas:

As queixas características dos pacientes com fissura anal aguda são de dor e sangramento. A dor costuma ocorrer durante ou imediatamente após a defecação, cedendo em alguns minutos (mas pode persistir por horas em alguns casos). O sangue costuma a ser mínimo e frequentemente é observado apenas no papel higiênico, mas algumas vezes chega a ser observado no vaso sanitário.

Com o passar do tempo e o não tratamento adequado a fissura poderá tornar-se crônica com a formação de uma nodulação cutânea na extremidade da fissura chamada de plicoma anal. O sangramento pode ou não estar presente, e a dor em geral é leve ou até mesmo ausente. Outras queixas como prurido e secreção local podem estar presentes.

Tratamento:

O tratamento será escolhido pelo seu coloproctologista, após o exame físico, e poderá ser inicialmente conservador (banhos de assento com água morna, pomadas anestésicas, dieta rica em fibras, etc). Seu médico especialista poderá, ainda, associar a prescrição de medicações tópicas especiais que reduzem temporariamente a contratura do esfíncter internodo ânus promovendo a melhora da vascularização local e consequentemente a cicatrização da fissura. Entretanto, em muitos casos essa medicação tópica pode não conseguir ajudar na cicatrização. Em alguns casos a doença pode também retornar (recidivar) mesmo com pleno tratamento clínico. As fissuras que demoram em cicatrizar precisam ser reavaliadas pelo especialista e alguns casos podem necessitar de cirurgia. O tratamento cirúrgico tem como objetivo diminuir o poder de contração do esfíncter interno anal. Com isto, consegue-se melhorar o fluxo de sangue para o local da fissura, o que estimula sua cicatrização. Esta cirurgia possui altos índices de cicatrização embora envolva alguns riscos que serão explicados pelo cirurgião. Outros problemas associados à fissura crônica que podem ser tratados através da cirurgia são o plicoma anal e a papila hipertrófica. A escolha da melhor opção terapêutica deverá ser avaliada pelo seu coloproctologista. A grande maioria dos casos responde bem ao tratamento clinico, mas nos casos de sangramento persistente, apesar da boa resposta ao tratamento clínico, podem necessitar de investigação adicional através de colonoscopia. A seguir, dividiremos o tratamento em duas modalidades: tratamento clínico não operatório e tratamento operatório com informações baseadas em evidencia científica
atuais.

1- Tratamento clínico não operatório

-Utilização de fibras alimentares e banhos de assento

Quase metade dos pacientes com fissura anal aguda resolver seus sintomas com medidas não cirúrgicas tais como banhos de assento e o uso de fibras alimentares ou outros agentes de volume, com ou sem a adição de anestésicos tópicos ou esteroides tópicos. Essas intervenções são bem toleradas, com mínimo ou nenhum efeito colateral. Tratamento com banhos e aumento da ingestão de fibras está associado a um grau superior de alívio da dor em comparação com anestésicos tópicos e hidrocortisona tópica. Além disso, a manutenção terapia com fibra está associada a menores taxas de recorrência da fissura em comparação com placebo. Não existem dados que apoiem um tipo de fibra alimentar em comparação com outra.

– Utilização de nitratos tópicos

Doadores de óxido nítrico tópicos estão associados à cicatrização em aproximadamente 50% das fissuras anais crônicas. Em uma análise conjunta de estudos, isso representa uma taxa de 13,5% na melhora absoluta de cura e de 38% de melhora relativa na taxa de cura comparada com placebo ou lidocaína sozinha. O aumento da dose não melhora as taxas de cura, e está associado com aumento da incidência de efeitos colaterais dos medicamentos. O principal efeito colateral dessa medicação são as dores de cabeça, ocorrendo em pelo menos 30% dos pacientes sendo quase onipresente em alguns relatos. Este efeito está relacionado com a dose e leva à cessação da terapia em até 20% dos pacientes. Além disso, até 50% dos pacientes tratados com essa medicação apresentam recorrência fissuras, uma porcentagem significativamente maior do que com tratamento cirúrgico. Em geral, os não respondedores aos nitratos tópicos devem ser considerados para a terapia com toxina botulínica ou para uma esfincterotomia cirúrgica.

-Comparação entre nitratos tópicos e bloqueadores de canais de cálcio

Bloqueadores dos canais de cálcio tópicos (tipicamente diltiazem ou nifedipina) foram associados a taxas de cicatrização de fissuras de 65% a 95%%. Efeitos colaterais, principalmente cefaleia, são significativamente menos frequentes do que nitratos tópicos. Embora taxas superiores de cicatrização para fissuras anais crônicas são descritas, deve ser observou que esta tendência não é unanimemente relatada, levando a análises agrupadas que não foram capazes de confirmar uma vantagem clara na cura com esta classe de medicamentos em comparação com nitratos tópicos.

Existem dados para sugerem que a taxa de cura associada ao uso de bloqueadores de canais de cálcio aumenta com o aumento da frequência de aplicação diária. Um único estudo controlado randomizado demonstrou que o diltiazem tópico era equivalente à toxina botulínica em termos de cura e alívio da dor após 3 meses de tratamento.

– Toxina Botulínica

A maioria dos estudos publicados avaliando o uso da toxina botulínica envolve comparações com agentes tópicos tais como nitroglicerina. A partir desses estudos, a toxina botulínica foi associada a um modesto (37% -43%), mas consistentemente relato de melhora nas taxas de cura das fissuras anais, que é quase uniformemente definido na literatura como resolução de dor anal. Esses estudos, assim como os que comparam a toxina botulínica com a nitroglicerina tópica e a esfincterotomia cirúrgica, apresentam várias limitações como; uma variedade de dosagens, como bem como variações no número de injeções e nos locais de aplicação que impedem generalizações destes estudos publicados.

Uma revisão Cochrane sugeriu que a toxina botulínica foi apenas marginalmente superior ao placebo, mas com eventos adversos associados ao tratamento. Diversos estudos prospectivos sugerem que, em comparação com 0,2% a 1% de nitroglicerina tópica e 0,2% de nifedipina tópica, toxina botulínica (20–60 unidades) fornece taxas de cura variando de 18% a 71% dentro 9 semanas de tratamento, com resultados comparáveis ​​ou ligeiramente melhores que as terapêuticas tópicas. Um estudo randomizado duplo-cego recente comparando 2% de diltiazem com 20 unidades de toxina botulínica demonstrou que, após 3 meses de tratamento foram associados a uma taxa de cura de 43%. O grupo da toxina botulínica apresentou maior taxa de redução nos escores de dor, definidos como uma redução mínima no desconforto de
50% (82% vs 78%). Embora um estudo randomizado multicêntrico realizado em 2014 sugeriu que a toxina botulínica é mais eficaz que a nitroglicerina tópica, com melhores taxas de cura e com menores taxas de recidiva em 1 ano (28% vs 50%), a maioria dos estudos prospectivos e retrospectivos sugere resultados equivalentes, com a ressalva de que o custo da toxina botulínica é maior. Uma meta-análise de 2008, que antecede vários desses estudos acima mencionados, concluíram que a toxina botulínica é tão eficaz quanto à nitroglicerina, mas que pode estar associada a uma menor incidência de eventos adversos. O uso de nitroglicerina tópica em conjunto com a toxina botulínica tem sido sugerida para melhorar a cicatrização e sintomas em pacientes com fissura anal crônica, embora a literatura seja limitada em demonstrar uma melhora consistente nas taxas de cura ou de recorrência. Pequenos estudos retrospectivos avaliando toxina botulínica como terapia de segunda linha após tratamento mal sucedido com nitroglicerina tópica sugeriram um alívio sintomas e a possibilidade de evitar a esfincterotomia cirúrgica em acompanhamento em curto prazo. Uma revisão Cochrane de 2012 não encontrou nenhuma tendência clara entre dose, preparação ou local da injeção de toxina botulínica e taxas de cicatrização associadas.

2- Tratamento Cirúrgico

– Esfincterotomia Lateral

A esfincterotomia lateral continua sendo o tratamento cirúrgico de escolha para as fissuras anais crônicas. Dilatação por Balão Pneumático Controlado mostrou-se promissor em uma pequena série, embora o tratamento não fosse investigado o suficiente para servir como terapia padrão. A esfincterotomia lateral foi comparado com a fissurectomia em 2 estudos randomizados, incluindo um total de 112 pacientes, com taxas de cicatrização superiores com a esfincterotomia lateral e com taxas de incontinência. A adição de óxido nítrico tópico ou toxina botulínica melhoram os resultados de fissurectomia em séries não randomizadas; no entanto, essa abordagem combinada não foi diretamente comparada com a esfincterotomia lateral. Três ensaios randomizados de convencional versus esfincterotomia adaptada mostrou estatisticamente superior taxas de cura de fissura no braço tradicional; 2 estudos
relataram piores escores de continência fecal no tradicional braço, enquanto que outro não. Independentemente da técnica de esfincterotomia lateral, esses estudos demonstraram uma baixa incidência de incontinência fecal. Na tentativa de diminuir o risco de incontinência fecal após a esfincterotomia lateral, a chamada esfincterotomia calibrada também sido relatado, que envolve a transecção do músculo esfincteriano para alcançar um diâmetro predeterminado do canal anal. Um estudo controlado randomizado, comparado com esfincterotomia calibrada com esfincterotomia calibra convencional para obter uma abertura de 30 mm o canal anal. Embora a cura fosse equivalente, precoce (7e 28 dias) os escores de incontinência fecal pós-operatória foram significativamente maior no grupo esfincterotomia calibrada. Em um recente estudo prospectivo observacional do Brasil utilizando e avaliação ultrassonográfica tridimensional em mulheres pós- esfincterotomia, a extensão segura da transecção do esfíncter foi menos de 25% do comprimento total do esfíncter anal interno, que neste estudo correspondeu a uma esfincterotomia Comprimento de menos de 1 cm.

– Retalho Anocutâneo

Embora a esfincterotomia lateral continue sendo o tratamento cirúrgico de escolha para fissuras anais crônicas, a desvantagem fundamental é o risco de incontinência e dor no pós-operatório. Uma alternativa de abordagem cirúrgica do esfíncter é um procedimento de retalho V-Y, que foi descrito usando uma variedade de técnicas, e que tem sido associado com boas taxas de cura de fissuras (81% a 100%) e baixas taxas de incontinência fecal menor (0 a 6%). Em um estudo prospectivo, Giordano e cols. relataram uma taxa de cura de 98% aos 2 meses após a construção de um retalho em pacientes consecutivos, sem recidivas ou alterações continência em um acompanhamento médio de 6 meses. Patel e colegas compararam os resultados de pacientes submetidos a retalhos (n = 50) e LIS (n = 50), e em média acompanhamento de 21 meses de cicatrização da fissura foi 96% dos pacientes submetidos a retalho de avanço anal e 88% daqueles submetidos a LIS (p = 0,27). Houve nenhuma incontinência fecal relatada em nenhum dos grupos. Maior, ensaios prospectivos comparativos ainda são necessários para melhor definir o papel dos retalhos cutâneos no
tratamento de fissuras anais.

 

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