Apendicite Aguda
Definição
Apendicite aguda é uma inflamação aguda do apêndice vermiforme, muito provavelmente decorrente de obstrução do lúmen do apêndice (por fecálito, fezes normais, agentes infecciosos ou hiperplasia linfoide).
Epidemiologia
A apendicite aguda é uma das emergências abdominais cirúrgicas agudas mais comuns. Mais de 34,600 casos foram tratados nos hospitais do Reino Unido entre 2006 e 2007. A maioria dos casos ocorreu em homens predominantemente na faixa etária de 15 a 59 anos. A grande maioria (29,576) se apresentou como emergência médica. Mais de 250,000 apendicectomias são realizadas a cada ano nos EUA; no entanto, a incidência é menor em populações que adotam uma dieta rica em fibras. O risco geral de desenvolver apendicite aguda durante a vida é de 8.6% para homens e 6.7% para mulheres; o risco de apendicectomia é de aproximadamente 12% em homens e 23% em mulheres. A taxa de apendicectomia é de aproximadamente 10 em cada 10,000 casos por ano nos EUA. Essa afecção é observada com mais frequência em pacientes com idade entre o início da adolescência e os 50 anos. Há uma leve predominância dos homens sobre as mulheres.
Etiologia
A obstrução do lúmen do apêndice é a principal causa da apendicite aguda. Fecalito (massa rígida de matéria fecal), fezes normais ou hiperplasia linfoide são as principais causas de obstrução. O fecalito por si só causa apendicite simples em 40% dos casos, apendicite gangrenosa não perfurada em 65% dos casos e apendicite perfurada em 90% dos casos.
Há evidências sugerindo etiologia neuroimunologica em alguns casos, mas isso ainda está sendo investigado.
Fisiopatologia
O lúmen distal à obstrução começa a encher-se de muco e age como uma obstrução de alça fechada. Isso causa distensão e aumento das pressões intraluminal e intramural. Conforme a doença evolui, as bactérias presentes no apêndice se multiplicam rapidamente. As bactérias mais comuns no apêndice são Bacteroides fragilis e Escherichia coli.
A distensão do lúmen do apêndice causa anorexia reflexiva, náuseas e vômitos e dor visceral.
Como a pressão do lúmen excede a pressão venosa, ocorre a formação de trombos nas pequenas vênulas e nos vasos capilares, mas as arteríolas permanecem abertas, o que causa ingurgitamento e congestão do apêndice. O processo inflamatório rapidamente envolve a serosa do apêndice e, em seguida, o peritônio parietal na região, o que causa a clássica dor no quadrante inferior direito.
Após as arteríolas estarem trombosadas, a área na borda antimesentérica torna-se isquêmica, causando infarto e perfuração. As bactérias atravessam a parede lesada e ocorre a formação de pus (supuração) no interior e ao redor do apêndice. Geralmente, as perfurações são observadas logo após a obstrução e não na ponta do apêndice.
Diagnóstico
A história típica e o exame físico, geralmente, são suficientes para se obter o diagnóstico de apendicite aguda. No entanto, tornou-se prática comum, para todos os pacientes que comparecem ao pronto-socorro com dor abdominal que sugira apendicite, a realização de uma tomografia computadorizada (TC) de abdome e pelve, exceto no caso de gestantes.
Em apresentações atípicas de ausência dos sintomas clássicos de dor abdominal periumbilical que migre para a fossa ilíaca direita ou de características associadas de anorexia e vômitos, também deve ser realizada uma ultrassonografia ou uma TC. As mulheres em idade fértil devem ser submetidas a exame pélvico, para descartar outras patologias pélvicas. As gestantes que apresentam dor abdominal do lado direito com náuseas e vômitos representam um desafio ainda maior e devem ser submetidas a uma ultrassonografia seguida de uma ressonância nuclear magnética (RNM) ou TC, se necessário, observando-se os cuidados e restrições neste caso.
História
A dor abdominal é a principal queixa apresentada. A dor geralmente se inicia na região abdominal periumbilical e, posteriormente (em 1 a 12 horas), migra para o quadrante inferior direito. Geralmente, a dor é constante, com cólicas abdominais intermitentes, e costuma piorar com movimento e tosse.
O local da dor pode variar, dependendo da posição do apêndice:
* Um apêndice retrocecal pode causar dor no flanco ou nas costas
* Um apêndice retroileal pode causar dor nos testículos, devido à irritação da artéria espermática ou do ureter.
* Um apêndice pélvico pode causar dor suprapúbica
* Um apêndice longo com inflamação na ponta localizado no quadrante inferior esquerdo pode causar dor na região deste último.
A anorexia é outro sintoma importante, quase sempre associado à apendicite aguda. Sem anorexia, o diagnóstico de apendicite aguda é questionável. Náuseas e vômitos também estão presentes em 75% dos pacientes. Geralmente, ocorrem vômitos somente uma ou duas vezes. A constipação absoluta é uma característica tardia.
A sequência de apresentação em 95% dos pacientes com apendicite aguda geralmente se inicia com anorexia, dor abdominal e, em seguida, vômitos (observados somente em 75% dos pacientes). No entanto, em gestantes, as únicas características que foram demonstradas serem significativamente associadas a um diagnóstico de apendicite são náuseas, vômitos e peritonite local.
A probabilidade de apendicite complicada (perfuração ou abscesso intra-abdominal) aumenta com o aumento da duração dos sintomas e com a idade dos pacientes (>50 anos).
Exame físico
Geralmente, não há mudanças significativas nos sinais vitais. A temperatura corporal pode aumentar discretamente (em média, 1 °C; 1.8 °F). Em pacientes que apresentam febre mais alta, é necessário considerar outro diagnóstico. Taquicardia também pode estar presente.
Um sinal clássico é a dor à palpação no quadrante inferior direito (sinal de McBurney) e a dor à descompressão brusca, se o apêndice for anterior. Pode haver também dor no quadrante inferior direito após a compressão do quadrante inferior esquerdo (sinal de Rovsing).
A dor pode ser suscitada se o paciente se deitar sobre o lado esquerdo e estender lentamente a coxa direita para alongar o músculo iliopsoas (sinal do psoas) ou pela rotação interna da coxa direita flexionada (sinal do obturador).
Os ruídos hidroaéreos podem ser reduzidos, especialmente no lado direito, em comparação com o lado esquerdo.
Os achados abdominais clássicos poderão não estar presentes se o apêndice estiver em uma posição atípica.
Os pacientes com perfuração podem se apresentar agudamente indispostos com hipotensão, taquicardia e abdome tenso e distendido, com contração muscular generalizada e ausência de ruídos hidroaéreos.
Será possível sentir uma massa palpável se a perfuração do apêndice tiver sido contida pelo omento, resultando em um abscesso periapendicular.
Investigação
Todos os pacientes com desconforto abdominal devem ser submetidos a um hemograma completo. Geralmente, ocorre uma leucocitose leve (10,000 a 18,000/ mm³) com aumento de neutrófilos.
Se os achados clínicos sugerirem apendicite aguda, investigações adicionais não deverão atrasar o manejo cirúrgico. A maioria dos pacientes (excluindo gestantes) que comparecem ao pronto-socorro com dor abdominal sugerindo apendicite são submetidos à TC de abdome e pelve embora o exame clínico seja de grande importância.
Os pacientes que apresentem massa abdominal palpável também devem ser submetidos a uma ultrassonografia ou TC abdominal.
Em pacientes com achados clínicos duvidosos, é indicado um exame de ultrassonografia ou uma TC do abdome. Em particular, as mulheres e crianças podem se beneficiar de exames de imagem pré-operatório.
Embora a TC tenha sensibilidade e especificidade superiores à ultrassonografia no diagnóstico de apendicite, esta última tem a vantagem de estar prontamente disponível e ser rápida e realizável à beira do leito. Em crianças, a ultrassonografia pode ser preferível à TC para limitar a exposição à radiação. Se, na ultrassonografia, um apêndice normal for visualizado no seu tamanho total, será possível excluir a apendicite aguda. No entanto, esse é raramente o caso, e a maior utilidade da ultrassonografia é detectar outras causas da dor abdominal.
A TC do apêndice é cada vez mais usada como teste diagnóstico inicial para apendicite aguda, e é prática rotineira solicitar uma TC para pacientes que comparecem ao pronto-socorro com sintomas de apendicite aguda. Há algumas opiniões de que a TC deve ser usada seletivamente em pacientes com quadros atípicos, uma vez que o atraso da cirurgia aumenta a taxa de perfuração do apêndice. Os protocolos de varredura podem variar conforme a região, e os médicos devem consultar as diretrizes hospitalares locais. A TC com contraste intravenoso, com ou sem contraste oral, tem uma sensibilidade de 100% em comparação com 92% de sensibilidade da TC com contraste não intravenoso.
Em gestantes que apresentam características de apendicite, é necessário realizar uma ultrassonografia abdominal para identificar o apêndice. Se o exame de ultrassonografia não for conclusivo, será necessário realizar uma ressonância nuclear magnética (RNM) abdominal (principalmente no início da gestação) ou uma TC.
Testes para descartar outras causas
É necessário realizar uma urinálise para descartar uma possível infecção do trato urinário ou cólica renal. As mulheres sexualmente ativas e em idade fértil devem realizar um teste para detecção de gravidez.
Tratamento
O objetivo do tratamento é remover o apêndice infectado
Quadro não complicado
Uma vez feito o diagnóstico de apendicite aguda, não se deve administrar nada por via oral aos pacientes.
A administração de fluidoterapia intravenosa (IV) de manutenção, como a solução de Ringer lactato, deve ser iniciada. O uso de antibióticos intravenosos (IV) de forma profilática no pós-operatório é controverso; no entanto, o seu uso é recomendado para apendicite não complicada, a fim de reduzir o risco de infecção da ferida. A apendicectomia deve ser realizada imediatamente.
Quadro complicado
As complicações da apendicite aguda ocorrem em 4% a 6% dos pacientes e incluem gangrena com perfuração subsequente ou abscesso intra-abdominal.
O manejo inicial inclui manter o paciente sem tomar nada por via oral e iniciar fluidoterapia intravenosa. Pacientes em choque devem receber hidratação intravenosa, como a solução de Ringer lactato, a fim de manter a frequência cardíaca e a pressão arterial (PA) estáveis. É necessário iniciar imediatamente a administração de antibióticos intravenosos e dar continuidade a essa administração até que o paciente não tenha mais febre e a leucocitose seja corrigida. Os antibióticos utilizados devem estar de acordo com base nas sensibilidades e nos protocolos locais. Em pacientes com peritonite aguda, é necessário realizar a apendicectomia imediatamente.
Opções cirúrgicas
Há 2 opções cirúrgicas para apendicectomia: aberta e laparoscópica.
Em adultos, a escolha da apendicectomia geralmente depende da experiência do cirurgião. Estudos mostraram que a apendicectomia laparoscópica apresenta resultados estéticos melhores, menor duração da internação hospitalar, dor pós-operatória reduzida e menor risco de infecção de feridas, em comparação com a apendicectomia aberta. A apendicectomia laparoscópica é recomendada para apendicite não complicada, bem como para apendicite complicada e perfurada. Também é considerada a abordagem mais segura em pacientes obesos. No entanto, a apendicectomia aberta é considerada a abordagem mais segura em gestantes. Em crianças, a apendicectomia laparoscópica diminui a incidência de complicações pós-operatórias gerais, incluindo infecção da ferida e a duração total da internação hospitalar, mas não reduz a dor pós-operatória em comparação com a apendicectomia aberta. No entanto, outro estudo não demonstrou uma diferença significativa.
A apendicite aguda é uma patologia corriqueira, mas o seu diagnóstico deve ser realizado o quanto antes para que medidas possam ser instituídas para o seu tratamento adequado evitando as suas possíveis complicações.
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