Cálculos Biliares (Colelitíase)
Cálculos Biliares (Colelitíase)
Definição
A colelitíase consiste na presença de cálculos sólidos na vesícula biliar. Os cálculos são formados na vesícula biliar, mas podem sair para os ductos biliares (coledocolitíase). Os sintomas ocorrem se uma pedra obstruir o ducto cístico, biliar ou pancreático. Em países desenvolvidos, a maior parte (>90%) dos cálculos consiste em colesterol. A formação de cálculos biliares de colesterol começa com a secreção de bile hipersaturada com colesterol proveniente do fígado. Em um processo iniciado por fatores de nucleação como a mucina, ocorre a precipitação de cristais microscópicos na vesícula biliar, onde a hipomotilidade proporciona tempo necessário a que os cálculos surjam.
Epidemiologia
A colelitíase ocorre em aproximadamente 10% a 15% dos adultos nos EUA e na Europa. A maior prevalência de colelitíase ocorre em populações indígenas norte-americanas; a prevalência menor é menor em pessoas hispânicas. Idade, obesidade e hormônios sexuais femininos são fatores etiológicos importantes. As taxas de prevalência são relativamente baixas na África e na Ásia. A epidemia atual de obesidade indubitavelmente aumentará a frequência de cálculos biliares.
Apesar de sua alta prevalência, a colelitíase é geralmente assintomática em >80% das pessoas. A dor biliar, entretanto, vai se desenvolver anualmente em 1% a 2% dos indivíduos previamente assintomáticos. Após o desenvolvimento da cólica biliar, aproximadamente 50% continuarão a sofrer de dor recorrente, enquanto até 3% apresentarão aumento do risco de complicações: colecistite aguda, colangite ou pancreatite aguda. Mesmo para indivíduos assintomáticos com cálculos, 0.1% a 0.3% deles experimentarão uma complicação importante por ano. Estas complicações tornam o cálculo biliar a doença gastrointestinal que mais comumente requer hospitalização nos EUA, resultando na realização de aproximadamente 700,000 colecistectomias anualmente.
Etiologia
Noventa por cento dos cálculos biliares são compostos de colesterol; eles formam-se na vesícula biliar. A colelitíase por colesterol decorre de 3 defeitos principais: bile hipersaturada com colesterol, nucleação acelerada e hipomotilidade da vesícula biliar com retenção dessa bile anormal. A hipersaturação de colesterol na vesícula biliar ocorre principalmente quando o fígado secreta quantidades excessivas de colesterol em relação ao volume de agentes solubilizantes, sais biliares e lecitina. O próximo estágio é a precipitação dos microcristais de colesterol na vesícula biliar, iniciada pela presença de agentes de nucleação (principalmente glicoproteínas biliares, como a mucina). A contratilidade comprometida da vesícula biliar facilita a retenção, dando tempo para esses microcristais se aglomerarem em uma estrutura de mucina e se transformarem em cálculos biliares visíveis.
Alguns fatores de risco para o desenvolvimento de cálculos biliares de colesterol são modificáveis, como obesidade, nutrição parenteral total, perda de peso rápida após cirurgia bariátrica e medicamentos (por exemplo, estrogênio, octreotida, clofibrato, ceftriaxona). Outros fatores, como idade, fatores genéticos e sexo feminino, são imutáveis. Esses cálculos de colesterol se formam na vesícula biliar, mas podem migrar para o ducto colédoco, como ocorre em 10% a 15% dos pacientes candidatos a colecistectomia.
Aproximadamente 2% de todos os cálculos biliares são cálculos de pigmento preto e também se formam na vesícula biliar. O material do pigmento consiste em bilirrubinato de cálcio polimerizado. Os pacientes com anemia hemolítica crônica, cirrose, fibrose cística e doenças do íleo têm maior risco de desenvolver cálculos de pigmento preto.
Cálculos biliares de pigmento marrom se formam de novo nos ductos biliares em decorrência de estase e infecção. Consistem em bilirrubinato de cálcio, sais de cálcio dos ácidos graxos de cadeia longa, colesterol e mucina (glicoproteínas originárias principalmente de biofilmes bacterianos). Infecção bacteriana, parasitas biliares (Clonorchis sinensis, Opisthorchis sp. e Fasciola hepatica) e estase (devido a obstrução biliar parcial) são fatores importantes, principalmente em indivíduos de origem asiática. Nos países desenvolvidos, esses cálculos do ducto biliar se formam normalmente em decorrência de estase por estenoses biliares inflamatórias ou neoplásicas.
Fisiopatologia
Os sintomas e complicações da colelitíase ocorrem quando cálculos obstruem os ductos císticos e/ou biliares. Obstrução transitória do ducto cístico resulta em dor biliar. Obstrução mais persistente ocasiona colecistite aguda. Raramente (em 1% das colecistectomias), um cálculo biliar grande fica impactado no ducto cístico ou no colo da vesícula biliar, comprimindo o ducto colédoco e causando obstrução e icterícia.
Se os cálculos biliares passarem para os ductos biliares causando obstrução, o resultado poderá ser dor biliar podendo levar a colangite. A passagem dos cálculos pelo ducto biliar distal pode culminar em obstrução ampular. A pancreatite biliar aguda resulta do consequente aumento da pressão ductal pancreática e do refluxo das secreções pancreaticobiliares no ducto pancreático. A presença de vários cálculos pequenos (<5 mm), de dilatação de um ducto cístico e de esvaziamento adequado da vesícula biliar são fatores de risco para pancreatite biliar aguda.
Se um cálculo biliar perfurar a parede da vesícula, uma fístula colecistoentérica poderá surgir e provocar obstrução duodenal (síndrome de Bouveret) ou obstrução no segmento mais estreito do intestino saudável, causando íleo biliar. A perfuração de uma pedra para dentro do ducto colédoco produz uma fístula biliar, outra forma da síndrome de Mirizzi.
Classificação
Tipos de cálculo no trato biliar
Cálculos biliares de colesterol
Aproximadamente 90% dos cálculos biliares em países desenvolvidos são compostos de colesterol. Estes são formados na vesícula biliar. Os vários fatores de risco para o seu desenvolvimento incluem genética (história familiar), dieta (obesidade, síndrome metabólica, perda de peso súbita), idade e hormônios sexuais femininos.
Cálculos biliares de pigmento preto
Menos de 5% a 10% de todos os cálculos biliares são compostos de bilirrubinato de cálcio polimerizado. Os fatores de risco para estes cálculos de pigmento preto são idade, anemia hemolítica crônica, cirrose, fibrose cística e doença do íleo.
Cálculos de pigmento marrom (cálculos ductais)
Estes cálculos se formam nos ductos biliares em decorrência de estase e infecção. Eles são compostos de bilirrubina não conjugada e sais de cálcio dos ácidos graxos de cadeia longa. Estenose ou infestação parasitária no ducto biliar são os principais fatores de risco.
Diagnóstico
A dor biliar, o sintoma mais comum de colelitíase, resulta da obstrução do ducto cístico ou da obstrução e/ou passagem de um cálculo biliar pelo ducto colédoco. As complicações da colelitíase, como dor biliar, colecistite, colangite ou pancreatite, desenvolvem-se anualmente em 1% a 2% dos indivíduos com colelitíase assintomática. As características de colecistite, colangite e pancreatite podem se sobrepor clinicamente, o que ressalta a importância da exatidão dos exames diagnósticos por imagem. Além da avaliação laboratorial padrão, o exame radiográfico inicial escolhido para a colelitíase sintomática é a ultrassonografia transabdominal. A escolha da próxima modalidade de exame por imagem depende do índice de suspeita clínica para complicações da colelitíase.
História Clínica
A dor biliar típica ocorre no quadrante superior direito do abdome ou na região epigástrica, às vezes após o consumo de alimentos. Essa dor constante aumenta em intensidade e dura várias horas. A dor de curta duração (<30 minutos) não é cólica biliar, ao passo que a dor de longa duração (mais de 5 horas) sugere colecistite ou outra complicação importante. Geralmente, esta é acompanhada por náuseas. A coledocolitíase que causa obstrução biliar é comumente acompanhada de icterícia e pode ser complicada por sepse com risco de vida (colangite aguda).
Fatores de risco devem ser identificados, como história familiar positiva, obesidade e síndrome metabólica, uso de determinados medicamentos (por exemplo, estrogênio exógeno, octreotida, medicamentos à base de incretina, clofibrato, ceftriaxona), doença do íleo terminal, gravidez, diabetes, síndrome metabólica, cirrose e anemia hemolítica (anemia falciforme ou talassemia).
Exame físico
Dor à palpação no quadrante superior direito/região epigástrica é a característica mais comum do exame abdominal em pacientes com colelitíase sintomática. Nos casos de colecistite aguda, o sinal de Murphy com parada inspiratória na palpação da fossa da vesícula biliar tem boa sensibilidade (97%) para colecistite aguda, mas baixa especificidade (48%). A febre indica uma complicação da colelitíase como colecistite, enquanto a icterícia tende a ser acompanhada por colangite ou pancreatite.
Exames laboratoriais
Exames de sangue de rotina, como hemograma completo e bioquímica hepática, em geral, apresentam resultados normais com um episódio de dor biliar simples. Uma contagem elevada de leucócitos sugere colecistite, colangite ou pancreatite aguda. A coledocolitíase obstrutiva normalmente é associada a elevações de bilirrubina e fosfatase alcalina. Uma breve obstrução biliar, com subsequente expulsão do cálculo, causa uma precoce elevação transitória da alanina aminotransferase (ALT), antes do aumento da fosfatase alcalina.
Os pacientes que apresentam dor localizada principalmente na região epigástrica (com ou sem irradiação para as costas) devem ter níveis de amilase e lipase solicitados para excluir pancreatite.
Exames por imagem
O exame inicial de escolha para todos os pacientes com suspeita de dor biliar é a ultrassonografia abdominal, cujos resultados indicam se há necessidade de outros exames de imagem.
Em caso de ultrassonografia abdominal normal na presença de dor biliar, pode ser necessária uma tomografia computadorizada (TC) abdominal para avaliar diagnósticos alternativos e identificar possíveis complicações de colecistite aguda (por exemplo, enfisema da parede da vesícula biliar, formação de abscesso, perfuração). Se houver suspeita de coledocolitíase, a colangioressonância é um excelente exame por imagem não invasivo, com sensibilidade de 92% e especificidade de 97%.
A ultrassonografia endoscópica (USE) e a Colangiorressonância apresentam acurácias semelhantes para detecção de cálculos no ducto biliar. No entanto, a Colangiorressonância tem sensibilidade reduzida (65%) para detecção de cálculos biliares pequenos (<5 mm).
A USE em mãos experientes indica com mais precisão os indivíduos com risco baixo a moderado de apresentar cálculos no ducto biliar (imagens negativas, mas sintomas e/ou exames de sangue positivos) que se beneficiariam de uma subsequente colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). A CPRE é a intervenção de escolha para pacientes com alto risco de cálculos no ducto biliar (imagens, sintomas e/ou exames de sangue positivos). Ela proporciona tanto diagnóstico quanto tratamento, removendo os cálculos.
Tratamento
A colelitíase assintomática não requer tratamento. A colecistectomia laparoscópica é o procedimento de primeira escolha para a colelitíase sintomática. A colecistectomia profilática em indivíduos assintomáticos pode ser considerada em 2 situações: em caso de maior risco de evolução para carcinoma de vesícula biliar (por exemplo, seja apresentando cálculos biliares grandes [>3 cm] ou possuindo uma vesícula biliar de “porcelana” calcificada), ou quando o risco de formação de cálculos biliares e suas complicações é alto (por exemplo, em pessoas com doença falciforme). A colecistectomia profilática não é rotineiramente recomendada para pessoas gravemente obesas submetidas a cirurgia bariátrica.
Para as pessoas que precisam de colecistectomia, a abordagem laparoscópica minimamente invasiva é preferida. A laparotomia aberta ocasionalmente é necessária quando as laparoscopias forem tecnicamente difíceis (o estabelecimento do pneumoperitôneo, variação anatômica ou preocupação com possível lesão) ou difíceis por causa de fatores relacionados ao paciente (inflamação, aderências, gordura intra-abdominal ou sangramento). Não existem diferenças no que diz respeito à mortalidade, a complicações ou ao tempo cirúrgico entre a colecistectomia laparoscópica e a aberta. Os benefícios sobrepostos da colecistectomia laparoscópica são a duração reduzida da permanência hospitalar e o menor tempo de recuperação.
Coledocolitíase
A combinação de dor biliar, vesícula biliar com cálculos, ducto colédoco dilatado (>6 mm) na ultrassonografia e bioquímica hepática anormal especialmente, bilirrubina elevada ou a elevação de enzimas pancreáticas sugere que um cálculo pode ter migrado para o ducto colédoco, causando uma complicação obstrutiva, como colangite aguda (talvez ainda mais complicada por formação de abscesso hepático) ou pancreatite. Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) com esfincterotomia biliar e extração de cálculos é o tratamento de primeira escolha para evitar complicações decorrentes de coledocolitíase.
Ocasionalmente, em 10% a 15% dos casos, a esfincterotomia com técnicas de extração padrão não é bem-sucedida, geralmente porque o cálculo é grande (>1.5 cm), está preso ou localizado em posição proximal às estenoses. Essas situações precisam de litotripsia (fragmentação), dilatação papilar por balão e endoprótese biliar de longo prazo. Embora seja tecnicamente difícil, a exploração laparoscópica do ducto colédoco é tão eficaz quanto a CPRE, realizada antes ou depois da colecistectomia, no que diz respeito à retirada dos cálculos, e tem taxas semelhantes de mortalidade e morbidade. Para aqueles em risco intermediário de um cálculo do ducto colédoco (bioquímica hepática anormal com elevações de bilirrubina mais modestas, pancreatite biliar e idade >55 anos), colecistectomia inicial com colangiografia intraoperatória e exploração do ducto colédoco pode diminuir a hospitalização sem aumentar as complicações. A exploração laparoscópica do ducto colédoco também deve ser considerada em pacientes com anatomia alterada cirurgicamente (por exemplo, cirurgia gástrica) ou CPRE malsucedida. Após a extração endoscópica do cálculo, a colecistectomia representa um tratamento definitivo para reduzir o risco de eventos biliares recorrentes, sobretudo, colangite ou pancreatite.
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